O investidor tem 3 inimigos: a CVM, os bancos e a B3, diz “rei da Bolsa”Para Luiz Barsi Filho, um dos maiores investidores individuais da Bolsa no Brasil, o mercado de ações é um monopólio que inibe o pensamento de logo prazo.
📷Barsi: "A Bolsa é um monopólio extremamente confortável e os reguladores viraram as costas" (Germano Lüders/EXAME)
São Paulo – O economista Luiz Barsi Filho assumiu no final do ano passado a presidência do Conselho de Economia Regional de São Paulo (Corecon-SP). Apesar das décadas de experiência em corretoras do mercado financeiro, Barsi
, hoje com 80 anos, ficou mais conhecido por ter se tornado um dos maiores investidores individuais da Bolsa de Valores do país – posto que rendeu a alcunha de “rei da Bolsa”.
Com patrimônio estimado em 2 bilhões de reais, tudo em ações, Barsi ostenta títulos como o de maior sócio minoritário do Banco do Brasil e, provavelmente, um dos mais longevos – começou a comprar papéis do banco em 1970 e nunc
a mais vendeu. Passou também pelo conselho de administração de algumas empresas de que tem um punhado de ações, como a Eternit e a Carbocloro.
Estimular o investimento em ações entre os brasileiros é, há décadas, uma de suas principais bandeiras. Agora, parece engajado em mais uma cruzada: expor e combater o que considera ser um monopólio da B3, o grupo que detém a última bolsa de valores que restou no país – “nos anos de 1950, eram mais de 15”. Isso se soma, diz Barsi, a uma estrutura engessada e enviesada que demoniza a renda variável, desestimula o pensamento de longo prazo e afasta o investidor.
“O Brasil não tem a mentalidade do investimento como geração de riqueza e há três grandes responsáveis por isso: a CVM [Comissão de Valore
s Mobiliários], os banqueiros e a Bolsa”, disse, em entrevista a EXAME. A Bolsa, em suas palavras, por ser um monopólio interessado no alto giro de operações; os bancos por retumbarem o discurso de pânico à renda variável, e a CVM e outros reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por não moderarem o suficiente o poder desse monopólio.
Barsi conversou com o site de EXAME em seu escritório no Corecon-SP, no centro de São Paulo. Veja os principais trechos da conversa:
O senhor fez a sua fortuna aplicando em ações e é um grande defensor de investir nelas. Por que?
O segmento acionário é uma maneira de investir na geração de riqueza para o país. Investir em uma boa empresa é dar dinheiro na mão de um bom gestor. Eu posso montar
um Banco do Brasil? Não posso. Mas posso comprar ações dele e, com isso, ajudar a montá-lo, como um pequeno investidor. É a postura de um pequeno dono, de um parceiro, um pensamento de médio e longo prazo, e é a cultura que falta ao brasileiro. O governo priorizou a mentalidade do agiota, dos juros – me empresta que eu te pago.
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Barsi em seu escritório na sede do Corecon-SP, no centro de São Paulo (Germano Lüders/EXAME)
O que falta para que o brasileiro invista mais em ações?
Nos últimos anos, muita gente foi para a Bolsa, mas só porque os juros caíram, e não porque o mercado passou a ser uma opção por si. Não são pessoas que entraram na Bolsa para ser parceiras de empresas. Elas entraram para comprar e vender, comprar e vender. “Comprar na baixa e vender na alta”. É isso o que é dito para elas. É também o que interessa para a Bolsa. Ela ganha no giro – compra e vende, compra e vende. É uma estrutura de especuladores, de traders, mas não de investidores. O sentimento de longo prazo de um operador desses é 15 minutos. Compram e já querem vender. Não temos a mentalidade do investimento como gerador de riqueza, e há três grandes responsáveis por isso: a CVM, os banqueiros e a Bolsa.
Por que eles são responsáveis? Qual é a ‘culpa’ de cada um deles?
A Bolsa é um monopólio extremamente confortável e com privilégios odiosos. Agora, por exemplo, ela quer cobrar uma taxa sobre os dividendos que você recebe [no início de 2020, `a B3 reduziu algumas tarifas de administração, mas criou uma cobrança de 0,12% sobre os proventos para investidores com mais de 20 mil reais]. É uma CPMF do dividendo, um tributo, e ela não tem autoridade para criar tributos. Nos anos 50, o Brasil tinha mais de 15 bolsas de valores. Tinha a do Rio, de Belo Horizonte, Santos, Rio Grande do Sul… Isso acabou em um monopólio, a Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo, ainda antes do surgimento da B3. Ela veio em um crescente de canibalização do mercado, dizimou as sociedades corretoras, foi alterando e criando taxas e mais taxas, taxa de custódia, de emolumentos, de ‘clearing’…
E qual é a culpa da CVM?
Ela virou as costas para o mercado. Tanto a CVM quanto o Cade, que são os reguladores. É o papel da CVM voltar os olhos para a proteção do investidor, e, na minha opinião, não é o que acontece. O investidor minoritário tem pouca voz em vários processos, como o de fechamento de capital, que ficou muito mais fácil para a empresa dos anos 1990 para cá. O Cade, por sua vez, está lá para proibir monopólios, e ele os privilegiou, em vez de coibir. Criou a B3, a Fibria, a BRF. O Cade, que é o fiscal da concorrência, deixou o mercado ser reduzido a uma Bolsa só.
E qual é a culpa dos bancos?
Eles têm privilégios. Banco não paga imposto na compra e venda de ações por meio de fundos, como o investidor individual paga. E a CVM deixa. A pessoa física que vende uma ação e tem lucros irá pagar 15% de imposto. O banqueiro que compra e vende ação pelo seu fundo de investimento, não. Não só é um privilégio como vai contra à mentalidade de médio e longo prazo para os investimentos. São também os bancos que amplificam o medo sobre as ações. Vá ao banco e diga ao gerente que você tem 200 mil reais e quer aplicar tudo em ações a médio e longo prazo. Ele vai dizer: “não faça isso de jeito nenhum, a empresa pode falir, você vai perder tudo!” O cidadão é atemorizado pelo banqueiro e seus tentáculos por essa ideia de que vai ficar pobre de repente se investir em ação. E não é verdade.
Fonte: Exame
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