Especialistas e entidades dizem que não há motivo para preocupação, mas que consumo deve ser consciente.
Qual o risco de desabastecimento no Brasil? — Foto: Marcelo Brandt/G1
A preocupação com o estoque de alimentos nos mercados é recorrente na pandemia de coronavírus. Imagens de prateleiras vazias e produtos em falta têm aparecido no mundo e passaram a ser registradas no Brasil.
Mas há riscos de faltar comida ou algum mantimento no país? A indústria está preparada para um aumento no consumo? Com mais gente em casa, a quantidade de comida comprada semanalmente deve aumentar, mas não há necessidade de estocar alimentos. Pelo contrário, a prática desregula todo o sistema de abastecimento.
O G1 conversou com o Ministério da Agricultura, associações de produtores e distribuições de alimentos, bebidas e outros itens, especialistas em economia e em psicologia para responder às questões abaixo:
Por que alguns produtos estão faltando nos supermercados e farmácias?
Pode faltar comida?
O que é desabastecimento?
Há desabastecimento no Brasil hoje?
Não achei álcool gel. E agora?
Existe risco de desabastecimento?
Feijão e arroz estão a salvos?
Devo estocar alimentos, bebidas e produtos de primeira necessidade?
Por que as pessoas se desesperam?
Como fazer uma feira consciente?
Como manter a calma neste momento? Por que alguns produtos estão faltando nos supermercados e farmácias? Há casos de supermercados que estão registrando uma alta saída de produtos, como álcool e papel higiênico, e eventualmente o produto acaba na prateleira. A situação é pontual e não configura desabastecimento, uma vez que a matéria-prima ainda pode ser encontrada e a reposição é feita normalmente.
Prateleira de papel higiênico em supermercado no bairro Enseada das Garças, na Pampulha, em Belo Horizonte — Foto: Barbara Milonas/Arquivo pessoal
Em nota, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirma que tem monitorado as lojas do país e, no momento, não foi identificado nenhum problema de desabastecimento, mas, sim, de reposição, devido ao maior número de clientes em algumas lojas.
Pode faltar comida?
Com relação aos alimentos, as entidades da indústria afirmam que a situação brasileira é muito confortável em relação a outros países. O comportamento dos consumidores é o que pode causar a falta pontual de algum produto em um mercado.
Mesmo com um aumento da demanda, não há motivo para preocupação, afirma o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas.
Segundo ele, o abastecimento de produtos alimentícios está sendo feito normalmente e o país tem margem de sobra ainda que o consumo aumente.
"O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. As pessoas se assustam ao verem cenas de outros países, mas nossa situação é muito confortável."
Ele afirma que a produção e a logística estão funcionando sem alterações. Foram criados comitês para monitorar diariamente a situação. Segundo Dornelles, só o que pode causar a falta de algum produto alimentício em um mercado é se os consumidores estocarem e comprarem em muita quantidade naquele local. Mesmo assim, a indústria tem capacidade para enviar mais produtos.
"Se identificarmos que falta algum produto em algum mercado, em algum bairro específico, nós estamos preparados para responder rápido e abastecer aquele local", diz.
Mas o que é desabastecimento?
É quando há uma falta generalizada e duradoura de um produto, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
"Quando falta um produto em determinados locais, ou por algum tempo, isso não caracteriza o desabastecimento, mas, provavelmente, um problema de fluxo da mercadoria, uma falta pontual de abastecimento, que pode ser superada por rápidas iniciativas do setor público e privado", informa o órgão.
"Seria desabastecimento se você tivesse uma ruptura na cadeia, uma disrupção na cadeia de maneira importante do tipo problemas com insumo", explica Silvio Laban, professor e coordenador do mestrado em Administração no Insper. Ele dá como exemplos uma praga que acaba com a plantação ou um desastre ambiental em alguma região específica.
“Nestes casos, de fato, vai existir a questão do desabastecimento pela inexistência do produto”, afirma.
O especialista fala ainda que o baixo crescimento econômico do Brasil, neste caso, aponta uma situação positiva. "O país não estava crescendo fantasticamente, então é de se esperar que as empresas tenham alguma capacidade produtiva ociosa até", explica.
"Se elas têm recurso para produzir é outra coisa, mas do ponto de vista de capacidade produtiva, a princípio, a gente vem se recuperando de uma crise, então já chegamos a produzir mais do que estamos produzindo hoje", completa.
Há, agora, desabastecimento no Brasil?
Não, mas um produto que pode ter o fornecimento afetado é o álcool gel, que sumiu das prateleiras depois da corrida da população.
Álcool em gel é um dos produtos em falta na epidemia de coronavírus — Foto: Divulgação
A demanda pela substância que deixa o álcool com a consistência de gel, o carbopol, aumentou no mundo todo, afirma a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC).
"As empresas de médio e pequeno porte, que são as principais responsáveis pelo fornecimento do produto, estão se readequando diante da crise para atender a população, inclusive buscando novas soluções de matéria-prima”, afirma o presidente-executivo da ABIHPEC, João Carlos Basilio.
De acordo com dados da associação, a estimativa de faturamento de vendas ao consumidor do álcool em gel em 2020 poderá superar em até 10 vezes o registrado em 2019, saindo de um faturamento de R$ 100 milhões para R$ 1 bilhão.
Não achei álcool gel. E agora?
O álcool gel é apenas uma das diversas formas de fazer a higiene e prevenção contra o coronavírus. A mais indicada é lavar as mãos com água e sabão. Também pode ser usado o álcool 70º líquido, cuja matéria-prima não corre risco de faltar, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
A matéria-prima para este fim representa uma parte muito pequena da produção brasileira. "Todo etanol vendido no mercado interno para fins não carburantes representa menos de 3% das vendas totais, inclui-se aí não só a produção de álcool 70º, mas também de bioplásticos, cosméticos, entre outros", informa a Unica. "Ou seja, não há qualquer risco de falta de matéria-prima."
A associação, inclusive, se dispôs a produzir e doar álcool 70º para órgãos públicos de saúde.
Existe risco de desabastecimento?
O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, alerta que de nenhuma forma a livre circulação de matéria-prima e produtos finais pode ser restringida, porque isso, sim, pode afetar o abastecimento. Do contrário, o abastecimento segue normalmente.
Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (IBEVAR) e professor de Administração na FEA/USP, vai numa linha mais realista e preocupada.
"Não quero ser alarmista, mas o risco existe. Você tem muitas atividades que as pessoas precisam estar presentes na cadeia de produção, como frutas, legumes, verduras, carnes", explica.
“Não dá para fazer para home office na indústria”, afirma Felisoni.
Além da incerteza quanto às consequências do vírus na sociedade, a possível falta está também relacionada ao comportamento de consumo da população. "Estamos vivendo uma situação inusitada que requer uma consciência social mais ampla", pondera.
Feijão com arroz estão a salvos?
Arroz, feijão, salada e carnes, o "prato feito" comum do dia-a-dia dos brasileiros está garantido, segundo as associações de produtores ouvidas pelo G1.
O motivo principal é que a agropecuária precisa ser planejada, ou seja, a produção de alimentos é feita muito antes de chegar à mesa do brasileiro. Neste momento, os produtores rurais estão na colheita da safra brasileira, que deverá ser recorde.
Arroz: a colheita começou há 20 dias e já garante o abastecimento de 60 dias do que é consumido em média no país, segundo a Abiarroz. Até o final da colheita, prevista para maio, a quantidade dará conta para um ano inteiroFeijão: a oferta de feijão preto está garantida e os estoques dos mercados podem ser repostos em até 48 horas, em média. A única ressalva do Instituto Brasileiro de Feijão é com feijão carioca, opção que pode sofrer com escassez até maio e, com isso, o valor pode subir
Verduras, legumes e hortaliças: não há registro nem previsão de falta de abastecimento de Ceasas, segundo a Associação Brasileira das Centrais de Abastecimentos
Indústrias de carne: não há risco a princípio, mas algumas atitudes podem ser tomadas, como priorizar o mercado interno em vez da exportação. Para Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura (1998-1999) e presidente da associação que representa os frigoríficos de carne de porco e frango (ABPA), os governos federal, estadual e municipal precisam garantir fluidez para a entrega das mercadorias. Outro ponto é que a fiscalização dos frigoríficos, item obrigatório para que o produto seja vendido, precisa ser mantida pelo Ministério da Agricultura. No caso dos frigoríficos, as exportações estão sendo afetadas e, com isso, algumas indústrias estão dando férias coletivas para que não sobre carne no mercado. O presidente da associação que representa o setor (Abiec), Antônio Camardelli, conta que as empresas deverão remanejar para os supermercados a carne que não foi vendida no exterior e para os restaurantes.
Procurado pelo G1, o Ministério da Agricultura afirma que não prevê problema de abastecimento no país e que está monitorando diariamente a questão.
“Se eventuais problemas forem detectados, o ministério atuará, mediante seu planejamento, para saná-los. A população deve se manter tranquila em relação à oferta de alimentos, sempre levando em conta o consumo racional, consciente e solidário. O Brasil é um grande produtor de alimentos”, diz, em nota.
Devo estocar alimentos, bebidas e produtos de primeira necessidade?
Com os pais fazendo home office e as crianças liberadas da escola, é natural que o consumo de alimentos médio de uma família aumente.
"Nessa situação onde a gente é obrigado a ficar em casa por mais tempo, há necessidade de se reforçar a dispensa. Você vai comprar mais naturalmente porque as refeições serão preparadas em domicílio", explica André Braz, coordenador do IPC do FGV IBRE.
"Eu compraria o necessário a prover alimentação da família toda em casa nas três principais refeições: café da manhã, almoço e jantar", continua.
O que não precisa acontecer é a correria para estocar alimentos, alertam os especialistas.
"Nesse momento, as pessoas podem contribuir evitando desespero e a corrida desenfreada aos supermercados, além de não fazer estoque de mercadorias nas residências", diz Fábio Queiroz, presidente da Associação de Supermercados do Rio de Janeiro.
"Nós recomendamos que as pessoas façam as compras que estão acostumadas, para a semana ou para o mês. Não há motivo para mudar", afirma Dornelles, da Abia.
Ele ressalta que, ao comprar ou estocar uma grande quantidade de produto, o consumidor está impedindo que outras pessoas comprem o que precisam naquele momento ou que tenham que se deslocar para outro supermercado ou bairro sem necessidade.
Por que as pessoas se desesperam?
O medo, a ansiedade, a incerteza com o futuro e a desinformação são razões apontadas pelos especialistas ouvidos pelo G1 para explicar porque as pessoas estão comprando mais comida do que o necessário.
“Elas começam a imaginar que vai faltar isso, vai faltar aquilo. Então, por uma questão de sobrevivência, de instinto de sobrevivência, a pessoa acaba pensando só em si, e não no sistema”, afirma Laban, do Insper.
Para Ana Carmen Oliveira, psicóloga e doutora em Ciência do Comportamento pela Universidade de Brasília, além da prevenção, as pessoas seguem o “efeito manada”.
“O comportamento de conformidade social é importante para a vida em comunidade, só que às vezes o modelo que está sendo copiado é nocivo”, explica Ana, ao se referir àqueles que triplicam o número de compras.
“A conformidade social é danosa quando a gente deixa de fazer a própria análise crítica do comportamento”, afirma Ana.
Informações desencontradas e a incerteza do que vai acontecer nas próximas semanas são fatores que dificultam a análise crítica de uma pessoa, segundo a psicóloga.
Como fazer uma feira consciente?
Mapear o que tem em casa e o que, de fato, precisa ser comprado é o começo para otimizar a saída para o mercado, segundo Braz, da FGV.
Escolher horários de menor pico para evitar o contato com mais pessoas e comprar estritamente o necessário para períodos de 10 a 15 dias também são dicas do especialista.
Como manter a calma neste momento?
O momento do país e do mundo não contribui para a paz, mas é preciso mais do que nunca manter a calma. "O pânico atrapalha nossa capacidade crítica de avaliar a situação", explica a psicóloga Ana.
"Nesse momento as pessoas começam a fazer coisas que não precisam, como estocar comida para três meses sendo que não há o menor risco de proibirem as pessoas de saírem de casa e irem ao mercado ao longo de 90 dias", explica a psicóloga Ana Carmen.
Na Itália e nos Estados Unidos, mesmo com o alto número de casos, a população não foi proibida de circular para comprar alimentos e remédios As lojas fizeram esquemas de delimitar o número de pessoas por vez e a quantidade de determinados itens por compra para proteger os estoques.
17 de março - Pessoas mantém distância uma das outras em fila para fazerem compras em um supermercado durante epidemia do novo coronavírus em Manila, nas Filipinas — Foto: Aaron Favila/AP
Para enfrentar este tempo difícil, a psicóloga também recomenda que a população encontre alternativas para encontros presenciais importantes, como ver os pais ou avós. "Chamadas em vídeo são uma opção com os mais velhos", afirma.
Se informar bem em fontes confiáveis e buscar suporte emocional com amigos, família e até com profissionais, como psicólogos, são outras sugestões da especialista.
Fonte: g1.globo.com
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