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As incertezas da retomada do trabalho. Por: José Pastore, O ESTADO DE S. PAULO

30 de abril de 2020

As perguntas que os jornalistas me fazem nos dias atuais são muito difíceis. Eles querem saber quantos brasileiros ficarão sem trabalho em decorrência da pandemia. Indagam se as Medidas Provisórias 927 e 936 serão suficientes para garantir o emprego e a renda dos empregados formais. Questionam se os R$ 600,00 mensais compensam o que os trabalhadores informais estão perdendo por não trabalhar. A dificuldade para responder a essas perguntas decorre em grande parte das incertezas no campo médico. Os médicos confessam saber pouco sobre a covid-19, por se tratar de uma doença nova. Não têm certeza se os doentes curados terão imunidade garantida, sugerindo a possibilidade de um segundo ou terceiro surtos de infecção. Estão inseguros para dizer qual é o melhor sistema do desconfinamento. Deixam dúvidas sobre a eficácia dos testes hoje existentes na identificação de diferentes graus de risco. A depender de cada resposta do campo médico, teremos diferentes impactos no mercado de trabalho. Os epidemiologistas recomendam desconfinamentos tentativos para verificar o seu impacto no nível de infecção e na taxa de letalidade. Isso significa que a volta ao trabalho pode ser marcada por idas e vindas, o que caracterizaria uma retomada em W, e não em V, como todos desejam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a pandemia está longe de acabar e que a necessidade de quarentenas, ainda que parciais, deve se arrastar até o fim de 2020 e entrar em 2021. A liberação gradual para o trabalho está sendo adotada em países da Europa. Lá também as autoridades sanitárias estão tateando o terreno, ficando de prontidão para modificar ou cancelar a liberação autorizada. A Alemanha, por exemplo, viu crescer a infecção depois de uma liberação bastante cautelosa. O recuo foi inevitável. Enquanto não houver vacina específica e medicação eficaz, os países viverão neste estado de incerteza. Num país grande, diversificado e desigual como o Brasil, o recomeço do trabalho demandará cuidados ainda maiores. Na travessia para chegar àquele ponto serão cruciais a preservação das empresas, o apoio aos empregados formais e aos trabalhadores informais. As medidas adotadas pelo governo brasileiro tanto na área econômica como na trabalhista estão na direção certa e devem dar fôlego a muitas empresas e aliviar o sofrimento de empresários e trabalhadores. Superada a travessia, a volta ao trabalho terá de ser bem planejada e bem executada com a previsão de mudanças de ritmo ao longo do processo. Uma volta mal planejada e desordenada pode se tornar a mais curta de todas as voltas em decorrência de novos surtos de infecção e óbitos. No retorno ao trabalho, empresários e trabalhadores, é obvio, precisam estar protegidos por um controle sanitário rigoroso nos ambientes de trabalho. A aplicação extensiva de testes eficazes será crucial para separar as pessoas de diferentes condições de saúde e graus de risco. Finalmente e não menos importante, a conversão rápida das Medidas Provisórias 927 e 936 em leis ordinárias é crucial para dar segurança jurídica às empresas que buscam adotar suas regras. Respeitadas essas condições, quantos ficarão sem trabalho? Não sei. Mesmo porque estou sem estatísticas para me guiar. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) terminou em janeiro e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) está suspensa. Os que dizem saber o que vai acontecer têm estimativas que variam de 14 milhões a 27 milhões de desocupados até o fim de 2020. Uma catástrofe. Realmente, este vírus é maldoso e competente. *PROFESSOR DA FEA-USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP


Fonte: ESTADÃO

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